Tendo eles partido para Cafarnaum, estando ele em casa, interrogou os discípulos: De que é que discorríeis pelo caminho? Mas eles guardaram silêncio; porque, pelo caminho, haviam discutido entre si sobre quem era o maior. E ele, assentando-se, chamou os doze e lhes disse: Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos. Mc. 9:33-35
Os evangelhos sinóticos mostram algumas diferenças sutis nessa conversa entre Jesus e seus discípulos. Optei pela versão de Marcos por sem mais completa e, suponho eu, preservar melhor a percepção de Pedro, que deveria Ter particular interesse em afirmar-se como candidato a supremacia apostólica.
Marcos preferiu usar os termos gregos prwtos e eskatos (primeiro e último). Lucas optou por megas e mikroteros (grande e pequeno). Mateus usou meizwn (maior) e como contraponto a recomendação de Jesus para que seus discípulos fossem humildes como as crianças. Primeiro e último na sociedade judaica da época representam uma ordem hierárquica estabelecida evolvendo autoridade e honra. A pessoa mais importante e que merece maior consideração e respeito é o primeiro; o último é aquela de menor dignidade ou significância, um pária.
No cenáculo, quando celebrou a última ceia, além de cingir-se de uma toalha e lavar os pés dos discípulos, Jesus incluiu mais um ato pedagógico para Simão Barjonas: colocou-o no lugar mais afastado e deu lugares de honra a João, o discípulo mais novo e a Jonas Iscariotes, que já respirava traição. Pedro poderia Ter se lembrado da lição anterior: "Quando por alguém fores convidado às bodas, não te assentes no primeiro lugar; não aconteça que esteja convidado outro mais digno do que tu; E, vindo o que te convidou a ti e a ele, te diga: Dá o lugar a este; e então, com vergonha, tenhas de tomar o derradeiro lugar." Lc. 14:8-9
Convertido, Pedro decidiu não agir como dominador dos seus irmãos. O livro de Atos destaca sua liderança, mas não mostra em momento algum qualquer atitude de independência, autossuficiência, intolerância, arbitrariedade. Pedro aparece como pregador e como prisioneiro; sua sombra curava, mas ele não tinha ouro ou prata. Fizeram-no vigário de Deus, para e lhe deram um trono, mais ele não viu ou pediu nada disso. Embora Jesus tinha dito ser ele uma pedra fundamental na edificação da igreja, considerou-se um igual repartindo com os demais a honra: "também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo." 1Pe. 2:5
Pedro poderia considerar-se o primeiro, mais Jesus lhe ensinou bem e ele viu a si mesmo apenas como mais um presbítero: "Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória." 1 Pe. 5:1-4
Gostaria de despertar-lhe a atenção para outro detalhe: Jesus não afirma que hierarquia de autoridade e honra é uma necessidade ou uma realidade inconteste no convívio dos discípulos. Suas palavras foram: se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo (diakomos) de todos. O ensino geral do Novo Testamento é pela igualdade de valor entre os discípulos e a afirmação exclusiva de senhorio de Jesus sobre todos. Em outra palavras, não deveria haver primeiro ou último: "Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um." Rm. 12:3
Deus distribuiu dons e ministérios distintos graciosamente, não se baseando no mérito. Assim, aqueles que aparentam receber maior honra não devem gloriar-se por sua titularidade ou posição (tanto os verdadeiros pastores como os pseudo-apóstolos), percebendo-se apenas como servos dos demais: "Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente. Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo." 1Co. 12:11-12.
Aos que gostavam de lugares de honra, cargos, pompa e circunstância, Jesus desqualificou-os. Herdou do Pai (que resiste aos soberbos e orgulhos e dá graça aos humildes) a preferência por gente simples de coração, puro de olhos e de reto proceder. Sendo Senhor se fez servo, e os que gostavam de escravizar repreendeu-lhes a hipocrisia: "Então, falou Jesus às multidões e aos seus discípulos:Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. Atam fardos pesados (e difíceis de carregar) e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém, todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suas franjas. Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados mestres pelos homens. Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado." Mt. 23:1-12.
Creio que todos podem aprender como Pedro a minimizar sua importância sem desprezar o que e graça de Deus para fazer através de pessoas comuns. Deveramos prefeirir a ser honrados, servir e ser servidos. E isso, sem perder a humildade.
Pr. José Carlos da Silva
Presidente da CBN
Fonte: Jornal O Batista Nacional, out. nov. e dez/2009
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